As 21 faixas de A Seat at the Table, terceiro disco de Solange, me pegaram de jeito. Não somente pela sonoridade, mesmo ao falar de temas como depressão e racismo, mas também pela força das imagens dos dois vídeos divulgados à época do lançamento. Cranes In The Sky é uma das músicas mais fortes que eu já ouvi na vida: fala sobre sucessivas tentativas de mascarar a dor. Don’t Touch My Hair – o que dizer deste hino à realeza e ao poder do cabelo crespo?

O apuro estético de Solange obviamente não surgiu em ASATT, mas foi ficando mais evidente ao passo que a caçula da dinastia Knowles aumentou o controle sobre os processos criativos que envolviam fazer música e clipe. O EP True (2012) foi editado pela própria gravadora, a Saint Records. Os vídeos das faixas Losing You e Lovers in The Parking Lot já apresentam os elementos que acabaram por virar assinatura da artista no disco seguinte: direção de arte impecável, simplicidade, roupas de dar inveja, aquele cabelo maravilhoso e as já conhecidas coreografias.

A Seat at the Table saiu há menos de 04 meses e já se tornou o disco mais ouvido da história do meu last.fm (a única rede social que realmente importa). Eu não consigo parar de pensar sobre este disco e sobre a sua importância para a música do nosso tempo, ainda que ele seja tratado, em muitos casos, como algo menor ou secundário. Não me surpreendeu que, ao ganhar o 1º lugar no top 50 da Pitckfork, alguns homens tenham comentado que o mundo estava perdido por Solange e Beyoncé terem ficado na frente de Radiohead e David Bowie (capas e discos satisfatórios também). Frank Ocean e Kanye West também dividem com elas o top 5, mas só as duas foram criticadas. E depois ainda querem negar que há racismo e machismo na música. 

No caso específico de Solange, será que incomoda o fato de que o amor romântico não é o principal tema de suas composições? Será que incomoda o fato de ela ser uma mulher foda, se apresentar como dona de si mesma e ter total controle sobre tudo – absolutamente tudo – em seu disco? 

O processo

Confesso que, de início, não achei a capa de ASATT nada de mais. Só fui entender tudo o que ela representa fuçando quase toda a internet buscando informação sobre o disco. Nesta reveladora entrevista concedida à irmã e publicada na Interview, Solange detalha como foi feita a capa (em tradução livre minha):

BEYONCÉ: Qual foi a inspiração para a capa?

SOLANGE: Eu quis criar uma imagem que convidasse as pessoas a terem uma experiência próxima e pessoal – e que realmente conversasse com o título do álbum. E que comunicasse, pelo meu olhar e pela minha postura, algo que dissesse: “chega mais perto. Não vai ser bonito nem perfeito. As coisas podem ficar um pouco pedregosas e talvez intensas, mas essa é uma conversa que precisamos ter”. 

Eu quis acenar para Monalisa e a grandiosidade, o rigor que aquela pintura tem. E quis colocar ondas no meu cabelo, e para realmente definir as ondas, você precisa colocar esses grampos. Quando Neal, o cabeleleiro, colocou os grampos, me vi pensando: “uau, esta é a transição, da mesma forma que falo sobre isso em ‘Cranes [in the sky]’”. Era muito importante capturar a transição, revelar a vulnerabilidade e a imperfeição da transição – é exatamente isso que aqueles grampos significam. Esperar até que você possa chegar ao outro lado. Eu queria capturar isso.

Solange – A Seat at the Table (E.U.A., 2016)
Foto e direção de arte de Carlota Guerrero

Estar em controle não significa trabalhar sozinha. Alan Ferguson, seu marido, co-dirigiu com Solange os vídeos de Cranes e Don’t Touch My Hair. Solange e a fotógrafa de Barcelona, Carlota Guerrero, dividiram a direção artística de capa, vídeos, fotos e livro.

Em entrevista à Vogue Espanha, Carlota Guerrero explica que rosa e violeta foram os tons escolhidos para atravessar todas as produções. 

“Ela queria coerência visual em todo o projeto, por isso fazia sentido que a mesma pessoa estivesse presente em todos os âmbitos. (…) Fizemos toda a direção de arte juntas. Passamos uma semana em Nova Orleans desenvolvendo cada ideia, as paletas de cor, as locações, as coreografias. Então subimos numa caravana e passamos quase todo o mês de agosto filmando cada dia em uma locação diferente”.

A última produção feita em parceria com a fotógrafa foi um livro, disponibilizado em formato digital no site da cantora. É daqueles objetos que dá vontade de pegar, cheirar, passar na cara. É uma aula – para todas nós – de como é vital estar no controle dos processos nas nossas vidas profissionais (e pessoais).