Os três primeiros trabalhos solo de Peter Gabriel ficaram a cargo do estúdio inglês Hipgnosis. Ativo entre os anos de 1968 e 1983, o lendário estúdio foi responsável por estabelecer a marca visual de bandas como Pink Floyd, T. Rex, Black Sabbath, Led Zeppelin, AC/DC, Paul McCartney & Wings e Electric Light Orchestra. Peter Gabriel já havia trabalhado com os sócios Storm Thorgerson e Peter Christopherson na fase final do Gênesis.

Os sócios do Hipgnosis se conheceram em Cambridge, onde também estudavam alguns membros do Pink Floyd. Após convencer os amigos a fazer a capa de A Sauceful of Secrets. O resto é história.

Duas grandes características marcam o trabalho do Hipgnosis. A primeira delas é o fato de ser uma agência dedicada exclusivamente a capas de discos! E o segundo e mais marcante aspecto é a orientação para o surrealismo e/ou dadaísmo, ou seja, todas as ilusões que vemos nas capas tiveram de ser, de fato, criadas, pois não havia Photoshop!

Depois da dissolução do estúdio, Storm Thorgerson continuou a trabalhar com música e capas de discos até sua morte, em 2013. Aubrey Powell ainda está ativo na direção de discos e direção criativa de bandas como Pink Floyd e a carreira solo de David Gilmour. Peter Christopherson se enveredou na música e continuou atuando como designer até sua morte, em 2010. Leia o post sobre o trabalho de Storm Thorgerson com o Pink Floyd.

Peter Gabriel

Como eram intitulados Peter Gabriel, os três primeiros discos solo do artista acabaram por serem mais conhecidos por seus apelidos, retirados de características encontradas em cada capa. Respectivamente Car, Scratch e Melt (carro, arranhão e derretimento). O site do artista tem alguns depoimentos sobre a criação musical e visual dos trabalhos.

Car

Nas palavras de Peter Gabriel e em tradução livre minha:

“A capa foi feita com Hipgnosis, com quem havia trabalhado no final da fase Genesis, e Storm (Thorgerson) e Peter (Christopherson), particularmente a partir daí. Eu acho que eles são muito importantes para a maneira como as capas dos álbuns se desenvolveram ao longo dos anos. Storm tinha um senso de humor muito seco, lacônico, que tornava muito divertido estar perto dele. Você acabava sendo alvo de algumas das suas piadas, mas eu sempre gostei de trabalhar com ele. Na verdade era o carro dele em que eu estava sentado na capa. Gostei da ideia da água, e do preto e branco com o azul”.

Peter Gabriel (1977)
Capa de Storm Thorgerson

“Uma ideia que tive para a primeira capa foi criar lentes de contato espelhadas, e levei cerca de um mês para encontrar alguém que as fabricasse. Alguém nos Estados Unidos, acho que em Boston, concordou em fazê-las, mas eles me fizeram assinar algo que dizia que se eu machucasse meus olhos, eles não teriam nenhuma responsabilidade – porque eles colocariam um pouco de espelho na parte de trás dessas lentes duras. Elas eram muito dolorosas de usar, mas o efeito era fantástico; era como ter bolas de aço no lugar dos olhos. Lembro-me de colocá-los em um avião e assustar muitas pessoas, o que me deu muito prazer na época. Mas, no fim, o espelho foi aos poucos corroendo a parte de trás das lentes”.

As lentes aparecem nas fotos do encarte e também no single Solsbury Hill e em algumas versões do single Modern Love.

Scratch

“Fizemos a artem em Nova York, e estava frio e nevando. Storm teve a ideia das unhas arrancando o papel da imagem. Eu acho que é algo que ele usou em uma peça de teatro que ele fez com seus amigos Lumiere & Son, mas foi algo que eu gostei muito”.

Peter Gabriel (1988)
Capa de Storm Thorgerson e Peter Christopherson.

“Eu me lembro de pensar, enquanto estávamos fazendo fotos naquela época, que sempre me sentia um pouco rígido e travado diante da câmera, e ainda o faço hoje, e uma das maneiras de tornar as fotos mais interessantes era tentar captar algumas pessoas fazendo coisas reais no entorno. Então, descemos para a estação do metro, e eu às vezes me sentava entre as escadas rolantes, ou nos ônibus, ou deitava na estrada, e era só tirar fotos de rostos reagindo a qualquer coisa que eu fizesse. Demorou um pouco para eu passar de uma persona tímida para uma exibicionista. Quando cheguei lá, fiquei feliz e, como resultado, conseguimos boas fotos, porque não eram apenas retratos encenados no estúdio, mas algo com um pouco de real”.

single: D.I.Y. (1978)

Melt

Desta vez, quem explica o conceito é Storm Thorgerson:

“Eu tive um sonho com um rosto derretendo, um tipo de efígie de cera presa no incêncio de um museu. Para conseguir o evento de gotejamento na pintura, usamos Polaroids comuns (a partir de Les Krims). Se alguém empurra a imagem em desenvolvimento imprensada entre dois pedaços de plástico com um instrumento sem corte, como o fim de um lápis, a imagem é manchada à medida que se desenvolve. Como esse procedimento é fácil, repetimos várias vezes com a ajuda de Peter Gabriel se desfigurando ao manipular as Polaroids. Peter nos impressionou bastante com sua capacidade de aparecer na câmera de um jeito pouco lisonjeiro, preferindo o teatral ou o artístico ao cosmético. Como não podíamos escolher uma preferida, uma vez que todas eram muitos divertidas, usamos um monte”.

Peter Gabriel (1980).
Arte de Storm Thorgerson.

“Fizemos a capa com Storm novamente e ele me apresentou às Krimsographs. Havia um fotógrafo chamado Les Krims que descobriu que, se você pegar uma Polaroid e esmagá-la, você consegue ativar as cores. Há um livro inteiro, uma pequena subseção da fotografia, dedicada à arte de esmagar as Polaroids. E nessa sessão fizemos muitas, muitas fotos com a Polaroid e todo mundo estava esmagando-as; provavelmente esmagamos cerca de trezentas Polaroids diferentes e, para isso, usamos objetos diferentes – fósforos queimados, moedas, dedos e todo tipo de coisa. Foi muito difertido porque você tinha de fazer no tempo certo, mas você conseguia alguns efeitos maravilhosos das distorções. Temos um cartaz com todas as diferentes falhas ou com as que não usamos”.


Single: No Self Control (1980)